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A sociedade
humana pode e deve ter uma estrutura que garanta o movimento coletivo e o
crescimento de todos os indivíduos — para a expansão e o desenvolvimento das
potencialidades coletivas e individuais. A sociedade, no seu verdadeiro
sentido, não é uma mera aglomeração de indivíduos; é muito mais do que isso,
pois o que importa é o espírito de coletividade e a unidade social. A
psicologia e o vigor de uma sociedade humana dependem essencialmente dos três
fatores: A) unidade social, B) segurança e C) paz.
UNIDADE SOCIAL:
A
unidade social depende dos seguintes fatores-chave e da forma como eles são
enfatizados: ideais comuns, ausência de estratificação social (sociedade sem
classes), programas sociais coletivos e ausência de pena de morte.
Ideais Comuns: Se as
pessoas forem inspiradas em ideais comuns, elas se moverão unidas e superarão
todas as dificuldades e obstáculos. Sem a inspiração em um ideal comum, os
movimentos sociais tornam-se frustrados e desconexos. Muitos grupos sociais
—antigos clãs, impérios medievais ou as nações atuais— foram constituídos a
partir de ideais e sentimentos comuns, visando à unidade social. Ainda que os
ideais comuns sejam positivos, a existência de vários “ismos” baseados nesses
sentimentos tem geralmente dividido a humanidade em diferentes grupos hostis.
Na sociedade moderna, o patriotismo pelo estado dominador possibilitou o
fortalecimento do nacionalismo, do ufanismo, do chauvinismo, do racismo e do
imperialismo. Tais sistemas de valores estão se tornando cada vez mais antiquados.
As duas guerras mundiais e a arrogância do imperialismo nos mostraram que
precisamos ter uma compreensão global e perceber que esta nave Terra está
povoada por uma sociedade humana. Para estabelecer uma unidade social cada vez
maior, os sentimentos mesquinhos do passado, tais como o “grupismo”, o racismo
e o nacionalismo têm, obviamente, que ser superados.
O
único ideal totalmente abrangente e sintético é a espiritualidade. Somente com
um ideal baseado na Entidade Cósmica Infinita poderemos cultivar o verdadeiro
sentimento universalista que superará os sentimentos egoístas. Essa é a base
emocional para inspirar a sociedade humana a se mover em direção à unidade.
Sociedade sem Castas: Os seres humanos têm amor e afeição natural uns pelos outros. Essa
tendência ao respeito e à aproximação deve ser fortalecida. A idéia de uma
igualdade elementar entre os seres humanos é conhecida em sânscrito como “sama
samaja tattva”: princípio da igualdade social. Esse princípio é essencial para
a unidade social, devendo, portanto, constituir a base de toda e qualquer
sociedade humana.
Mesmo
numa sociedade ideal, ainda assim haveria diferentes pontos de vista e
opiniões, já que “A diversidade é uma lei da natureza”, conforme afirmou P. R.
Sarkar. Embora essa diversidade externa aumente a beleza e o vigor da cultura
humana, ela não deve ser o pretexto para justificar uma estrutura social que
abale os direitos básicos, a unidade e a coesão dos seres humanos. A
exacerbação das diferenças e as divisões sociais, através de sentimentos
emotivos divisionistas, é prejudicial ao crescimento da sociedade. Isso
enfraquece o vigor e a unidade social. Sentimentos de grupo baseados nos
conceitos de casta, raça, religião, sexo etc. são produtos de líderes egoístas.
As pessoas devem ser educadas e fortalecidas mentalmente para não cair em tais
sentimentos.
Programas Sociais:
Classificam-se como programas sociais os festivais, as comemorações, os
encontros etc., ou seja, os eventos em que as pessoas aprendem a se admirar
mutuamente. Os programas sociais não só inspiram os sentimentos de coletividade
necessários para enfrentar as dificuldades do cotidiano como também servem para
expressar as formas mais elevadas de arte e cultura.
Ausência de Pena de Morte: É um erro moral da sociedade permitir a condenação de seres humanos à
pena de morte. Se os médicos não podem curar um paciente, eles não têm o
direito de matá-lo. Uma vez que o criminoso é um desajustado mental e social, a
sociedade deve usar todos os seus recursos para reabilitá-lo. Se ela ainda não
tem essa capacidade, também não tem o direito de matá-lo. Quanto ao aspecto
social dessa condenação, é evidente que cada pessoa executada deixa
desesperados seus parentes — marido, mulher, filhos, pais etc. —, que ficam
inconformados e com sentimento de vingança. Seu ressentimento e sua dor
(havendo ou não erro por parte do condenado) abalará a unidade social.
PROUT defende que a educação e a reabilitação
devam formar a base da justiça criminal, ao invés de utilizar a punição como
vingança e tentativa de controle da criminalidade. (ver Capítulo 6, Seção 4).
B) SEGURANÇA:
A
segurança econômica e social é o fator-chave para a existência dos seres
humanos e para o desenvolvimento pleno de seus potenciais físico, psíquico e
espiritual. Mas essa segurança depende de dois fatores: justiça social e
disciplina.
Justiça Social:
Muitas ameaças e incertezas da vida podem ser debeladas a unidade social,
apesar da aparente diversidade do mundo. Quando isso for reconhecido e houver
esforço para assegurar os requisitos básicos a todos, nós teremos a base do
sistema proutista de justiça social. Um grande esforço deve ser feito para
acabar com a exploração e as práticas injustas na sociedade. Isso estimulará o
bem-estar, a criatividade e a produtividade individual, fazendo com que toda a
sociedade seja fortalecida. O sistema econômico proutista está baseado nessa
idéia de justiça social.
Disciplina: Um
código de conduta corretamente elaborado e consensual é muito necessário, na vida
individual e coletiva, para solucionar os conflitos pessoais. Todas as
sociedades, quaisquer que sejam, possuem códigos sociais, padrões de
comportamento, assim como leis e regulamentos. Isso ajuda a criar um ambiente
social favorável ao inter-relacionamento respeitoso. A falta de disciplina,
tanto na vida social como individual, tem intensificado a degradação social, o
individualismo, a ganância e a imoralidade.
Tudo
isso desgasta o verdadeiro sentido da sociedade — que deve se referir a um
movimento uniforme.
Uma
vez que os recursos físicos são limitados, se for admitido que a ganância e os
desejos insaciáveis de seres humanos fiquem desgovernados, sem código de
disciplina comum, a sociedade humana se transformará numa sociedade de lobos.
Os códigos sociais devem permitir a liberdade de expressão, desde que esta não
interfira nos direitos básicos dos outros.
Contudo,
um código de conduta repressivo, ou inteiramente permissivo, que não leve em
conta a psicologia humana, inevitavelmente tem resultado desastroso. A
disciplina deve estar em harmonia com a natureza e as aspirações mais elevadas
dos seres humanos. Uma disciplina rígida semelhante à disciplina militar,
baseada na repressão da natureza humana, nunca perduraria. A repressão moral da
era Vitoriana, na Inglaterra, e dos calvinistas ortodoxos resultou no hedonismo
dos tempos modernos. Nos antigos países comunistas, somente com a onipresença
da polícia secreta podia se assegurar o comportamento moral, tornando a vida
individual um pesadelo, e isto finalmente levou à destruição desse sistema
social pelo próprio povo.
A
disciplina social deve ser estabelecida por um código de conduta elaborado em
harmonia com a natureza psico-físico-espiritual dos seres humanos e ajustado às
necessidades de diferentes faixas etárias e culturas. As pessoas devem aprender
a amar a auto-disciplina e a entender que, somente com a ajuda desta, a
liberdade na esfera social e individual será alcançada. E, além disso, será
fundamental que tenhamos líderes que dêem exemplo à sociedade com a própria
conduta e possam inspirar outros a fazer o mesmo. Para o desenvolvimento das
capacidades mentais mais elevadas, a auto-disciplina é muito importante.
C) PAZ:
As
guerras são grandes desgraças que ocorrem na história humana. A sociedade
humana prospera na paz e é destruída na guerra. A guerra conduz os seres
humanos à luta animalesca pela sobrevivência, estimulando os instintos básicos
e causando sofrimento imensurável.
Existem
dois tipos de paz: a paz sutil, na qual há predominância da unidade social, da
justiça e da racionalidade; e a paz estática, na qual predominam a opressão, a
supressão e as forças da ignorância e da exploração. Para estabelecer a paz
sutil na sociedade humana, as pessoas que desejam o bem-estar social, não devem
fugir da luta. Somente através de luta contra as forças destruidoras da paz
sutil é que a paz verdadeira será estabelecida. Nesse caso, luta não tem a
mesma conotação que guerra.
Para
estabelecer a paz duradoura, dois fatores são importantes: fazer práticas
espirituais com base científica e lutar para dissipar todos os dogmas (ver
Capítulo 5, Seção 4). Através das práticas espirituais intuitivas (por exemplo:
concentração e meditação), a tendência ao egoísmo e à busca desenfreada por
coisas materiais é controlada, permitindo o desenvolvimento de capacidades
mentais e espirituais elevadas e fazendo com que os choques da luta pelas
necessidades materiais sejam minimizados.
A
mente e os sentimentos se expandem quando as pessoas desenvolvem seus
potenciais. Através da luta contra as superstições irracionais e os dogmas, os
seres humanos se estabelecem na racionalidade.
Muitos
dogmas causaram derramamento de sangue no passado. Tomemos como exemplo o
confronto entre católicos e protestantes que levou por 30 anos (de 1618 a 1648)
a maior parte da Europa Central à destruição. O dogma da superioridade racial e
cultural levou os imigrantes europeus a impor no continente americano o
sentimento de brutalidade, culminando no sistema de escravidão dos africanos e
no massacre dos índios. A racionalidade, por outro lado, estimula a discussão
ideológica e a luta pela justiça, mas abomina a crueldade e a destruição das
guerras.
A
conquista da paz sutil — para inspirar a expansão mental e infundir o
universalismo no coração de todos — só ocorrerá quando os seguintes fatores
forem cultivados (tudo isso será discutido em detalhe nos capítulos
subsequentes):
1. Devemos
nos esforçar por uma filosofia comum de vida. Isto não significa criar uma série
de dogmas nem acabar com as diferenças ideológicas, mas sim aceitar o
universalismo baseado na racionalidade.
2.
Devemos lutar por uma constituição comum a todos os povos e nações e,
especialmente, garantir o cumprimento da Declaração Universal de Direitos
Humanos. Essa constituição deverá agregar o que há de melhor em todas as outras
e ser aprovada por todas as nações. Isto ajudará a proteger o direito das
minorias, e será o primeiro passo para estabelecer uma estrutura governante com
poderes legislativos.
3.
Devemos nos esforçar por um código penal comum a todas as nações, baseado mais
na aceitação dos direitos humanos do que nas noções regionais de moralismo.
4. Deve haver produção e
suprimento das necessidades básicas da vida e poder de compra dos salários para
adquiri-las. Isto proporcionará segurança existencial a todos e liberará a
tremenda energia psíquica retida devido ao medo e a insegurança da luta pelas
necessidades básicas. Essa energia mental refletirá no bem-estar e no
desenvolvimento da sociedade e dos indivíduos, em todas as esferas da vida.
Dessa forma, será dado um grande salto na qualidade de vida.
Onde há movimento deve haver também meta. Sem uma
meta, não há progresso, nem direção certa. A inspiração para o movimento perene
da sociedade humana é reconhecida, pessoalmente, como o estado de equilíbrio,
paz e felicidade (anandam).
Tal
estado está além da teoria social. Mas é esse estado de realização na vida
pessoal que inspira comportamentos de moralidade e respeito a todos os seres
vivos. Quando os seis fatores para o progresso social estão presentes (Apêndice
D), num estado equilibrado, então, o movimento social se dá em direção a essa
meta espiritual. As aspirações internas da mente humana terão um ambiente
social favorável à inspiração e à realização plena, desenvolvendo, assim, uma
visão social.
Quando
a realização do estado de bem-aventurança é tomada como uma base para a
existência da boa vontade e do comportamento benevolente para com toda a
criação, o amor humanístico e o sentimento de família são expandidos para
formar uma nova visão: a do neo-humanismo. Essa é a visão social de PROUT. Na
esfera social, reconhece-se como um direito supremo o valor existencial de
todos os seres vivos. Os objetos inanimados também têm uma expressão limitada
da Consciência Cósmica. A aceitação do valor intrínseco de cada entidade deve
ser reconhecida como a base de uma sociedade verdadeiramente progressista.
Em
nossa interação com o meio ambiente devemos reconhecer que cada expressão, no
maravilhoso caleidoscópio da criação, tem um valor existencial. Não podemos
continuar a ver a Terra com olhares famintos, considerando só o valor
utilitário de cada ser, com vistas à satisfação de nossos desejos infindáveis.
A visão gananciosa nos impede de ver a beleza e a harmonia do mundo que nos
cerca. Mas assim que compreendermos e corrigirmos nossos erros do passado,
perceberemos que este mundo tem o potencial de se tornar um paraíso para a
humanidade, os animais e as plantas.
Leitura
adicional:
PROUT in a Nutshell: A parte 4 dessa série contém um importante artigo de PROUT. Na parte 3, um trecho é dedicado à discussão de unidade social, segurança e paz.