Seção 1:
Definição de Cultura
Nossa vida coletiva é caracterizada por nossa cultura e
civilização. Devemos fazer uma distinção entre cultura e civilização. Cultura, em
PROUT, designa a quantidade e a variedade das expressões humanas, inclusive as
crenças, os costumes, as artes etc., enquanto civilização diz respeito ao nível
de sentimento humano e racionalidade presente na cultura.
Uma estrutura social sofisticada pode
ter um alto grau de cultura, mas se ela for permeada de discriminação ou
exploração (tais como a escravidão, o preconceito contra as mulheres ou o
sistema de castass) ela é incivilizada. Da mesma forma, quando a arte é de boa
qualidade, mas superficial, ela exibi cultura, mas é carente de civilização.
Daí, é possível ter cultura e não ser
civilizado, ou ser civilizado sem ter cultura. Algumas populações nativas podem
ser relativamente “aculturadas”, por exemplo, não possuir linguagem escrita ou
tecnologia sofisticada, mas serem altamente civilizadas. Da mesma forma, vemos
muitas nações científica e culturalmente avançadas, cujo comportamento social
degradante representa falta total de civilização.
De acordo com PROUT, a civilização deve
sempre ter primazia sobre a cultura e a ciência. A cultura se desenvolve
naturalmente com o intelecto, sendo essencial que ela tenha um fundamento
sólido de civilização. Porém, quando a ciência adquire uma posição de destaque
em relação à civilização (especialmente no caso do mundo ocidental, e cada vez
mais em todo o mundo), a sociedade é fadada a se tornar materialista e
desequilibrada — daí os enormes gastos com armamentos, enquanto certos
problemas, como a garantia das necessidades básicas de alimento para a maioria
da população, ficam sem solução. A ciência que não estiver a serviço da
civilização não deve ser considerada como progresso.
A filosofia de PROUT baseia-se numa
visão universal e procura alcançar a unidade através da diversidade. Portanto,
a cultura humana é considerada, essencialmente, como uma só, tendo, porém,
variações regionais. Essas variações devem engrandecer a beleza coletiva, ao
invés de criar divisões. As tendências básicas da mente humana são iguais em
toda parte; porém, devido a vários fatores, elas são expressas sob diferentes
formas e em proporções diferentes. Para desenvolvermos a verdadeira unidade, é
preciso respeitar a diversidade e, ao mesmo tempo, reconhecer as nossas
semelhanças inerentes.
A história humana mostra
que algumas culturas tentaram destruir as expressões culturais de outras
sociedades, com o objetivo de controlá-las. Hoje, muitos países do primeiro
mundo estão impondo seu estilo de vida, tanto cultural como econômico, a outras
sociedades mundiais.
Um tipo de exploração cada vez mais
usado pelos capitalistas é a exploração psicoeconômica. No passado, os
invasores estrangeiros praticaram-na por meio da força. Os imperialistas usaram
armas superiores para invadir e conquistar terras e, muitas vezes, escravizar a
população. Diziam então ao povo derrotado: “Sua cultura é primitiva, sua
religião é retrógrada, seu idioma é inferior”. Os colonizadores utilizavam-se
da violência e impunham complexo de inferioridade para bloquear a resistência
do povo.
Depois da Segunda Guerra Mundial, todos
os povos colonizados criaram o desejo pela independência política, e isto
incentivou a intolerância à violência contra os movimentos de libertação. Os
capitalistas desenvolveram, então, técnicas mais sofisticadas para explorar os
países que estavam se tornando independentes.
A pseudocultura é imposta para suprimir
as culturas locais. A pseudocultura se manifesta em músicas, filmes, TV, modas
etc., ou seja, coisas que tiram a esperança de um desenvolvimento local,
preparando as pessoas para a exploração econômica. Aparentemente, ela se parece
com cultura, mas na realidade é o oposto disso. Tal pseudocultura consiste em
diversas coisas que parecem fazer a vida mais prazerosa do que era durante a
precedente cultura nativa, mas na realidade ela serve para acabar com a força
de vontade da população local.
A propagação devastadora da “cultura do
consumo”, com seu apelo para os prazeres materiais, resulta numa debilidade
psicológica e espiritual. Ela também diminui a resistência daqueles que tentam
manter sua herança cultural. Nas últimas décadas, a diversidade cultural tem
diminuído tremendamente, e as culturas locais estão sendo sugadas pelo “mercado
global”, dominado pela pseudocultura norte-americana. A difusão de cadeias de
“fast-food”, erotismo e músicas estrangeiras está dominando as culturas locais
pelo mundo afora.
Em termos psicológicos, a pseudocultura
exerce um efeito devastador sobre a personalidade do indivíduo. As propagandas
projetam imagens de uma vida “moderna” e “agradável”, diferente daquela que as
pessoas têm em seus países. Para ter acesso ao glamour da televisão e das
propagandas, as pessoas inconscientemente desejam ser brancas e ricas. Os
resultados trágicos são o alto índice de divórcio e o abandono do lar por
milhares de crianças, que vivem nas ruas ou se prostituem (fatores econômicos
também contribuem).
A pseudocultura também mina a vontade de
as pessoas resistirem às empresas que saqueiam seus recursos naturais. Por
exemplo, a imposição de uma língua estrangeira e do modo de se vestir pode
levar as pessoas a considerarem sua língua nativa e seus costumes como
inferiores. O efeito psicológico é que não só a cultura introduzida fica
parecendo superior, mas também a população nativa pode se tornar mais
facilmente manipulável. As pessoas aceitam isso abertamente, sem notar os
efeitos negativos que exercem sobre suas vidas, até que seja muito tarde.
Claro que esse tipo de exploração
ocorre, também, dentro dos próprios países capitalistas. Sob a égide da
liberdade e da permissividade, jovens e pessoas qualquer idade são bombardeados
com propaganda materialista, pornografia, música e programas de televisão
degradantes. Além disso, a exploração capitalista estimula o consumo de álcool,
cigarro etc. Isso inquieta as pessoas, diminui sua auto-estima e desestrutura
sua unidade cultural.
O sistema educacional faz o mínimo para
resolver esses assuntos ou para explorar estilos de vida alternativos. Os
capitalistas promovem um sistema educacional desprovido de valores morais e
pensamento crítico, apenas qualificando a mão-de-obra para o trabalho. Os
jovens têm pouca oportunidade de desenvolver uma consciência socioeconômica
crítica, ou mesmo qualquer tipo de consciência. Isso impede o desenvolvimento
do potencial individual de pensamento independente e criativo.
Segundo P. R. Sarkar, “a mente tem uma
tendência natural à degradação, flui mais fácil para baixo do que para cima.
Portanto, se algumas pessoas, por meio de sua riqueza, impõem filmes degradantes
sobre os outros, isto será como se lhes quebrassem a espinha dorsal,
deixando-os paralisados. Então, essas pessoas neutralizadas, com a espinha
dorsal partida, não serão nunca capazes de, no futuro, unirem-se contra a
exploração cultural, ou qualquer outro tipo de exploração. Elas nunca poderão
fazer isto porque, mentalmente, estarão completamente mortas; a sua capacidade
de levantar a cabeça em protesto ficará para sempre destruída. Como elas
poderão erguer a cabeça novamente?”
Mas, a exploração psicoeconômica não é
uma exclusividade das corporações colonialistas. As restrições sociais contra
as mulheres (forçando-as a se tornarem economicamente dependentes do homem) têm
sua origem em instituições religiosas. A exploração psicológica não é um fenômeno
novo. Ela tem sido uma estratégia das classes dominantes através da história
(ver Capítulo 1).
Para resistir a qualquer
tipo de exploração, precisamos compreender claramente como é conduzida a exploração.
PROUT ressalta a importância de entendermos a exploração em seus diversos
níveis. A exploração capitalista ocorre nas esferas física, intelectual e
espiritual.
Muito já foi dito a respeito da
exploração na esfera física. O capitalismo permite que muitas pessoas vivam em
extrema pobreza, enquanto outras se tornam excessivamente ricas. A ganância
pelo lucro conduz a anomalias como a exportação de matéria-prima (madeira, por
exemplo) seguida da compra de produtos manufaturados (móveis) feitos com essa mesma
matéria-prima. Como PROUT defende a descentralização e a democracia econômica,
esse cenário nunca seria permitido sob o sistema proutista.
O que significa a exploração capitalista
na esfera intelectual? Ela se manifesta de diversas formas. Primeiro, negligencia-se
a educação a um grande número de pessoas no mundo inteiro. No Brasil, em 1990,
havia 100 milhões de brasileiros com mais de 15 anos, sendo que, desses, 54
milhões eram de pessoas analfabetas ou com baixa escolaridade (até quatro anos
de estudo).
Segundo, não se promove a consciência
social e econômica, o que ajuda a manter o ciclo de exploração. Terceiro, os
exploradores incutem o medo e o complexo de inferioridade na mente das pessoas,
a fim de mantê-las subjugadas. Tudo isso impede o desenvolvimento moral e
intelectual das pessoas, levando-as à crescente irracionalidade, à estreiteza
mental e à prática crescente de racismo, nacionalismo e classismo. Por fim,
tudo isso tem conseqüências muito negativas e destrutivas, mantendo as pessoas
inconscientes do verdadeiro inimigo, enquanto buscam desenfreadamente consumir.
Sempre que o sistema capitalista sofreu
ameaças, ele se mostrou flexível, transformando-se apenas o suficiente para
silenciar seus críticos. Feudalismo, colonialismo, imperialismo, capitalismo,
corporações multinacionais, neo-liberalismo, globalização etc. são diferentes
estágios do capitalismo, ajustando-se para evitar a própria destruição. Na
medida em que é questionado, o capitalismo se transforma o bastante apenas para
continuar.
Por exemplo, enquanto as pessoas estão preocupadas com a assustadora destruição do meio ambiente, as grandes corporações fazem campanhas para expressar sua preocupação com a reciclagem etc. Por traz disso, entretanto, elas estimulam práticas destrutivas. Isso pode ser facilmente visto nas decisões da ONU impostas ao Terceiro Mundo.
Muitas vezes, os capitalistas conseguiram neutralizar a resistência, oferecendo suborno e vantagens aos ativistas. No momento em que aqueles que têm a capacidade de apontar os defeitos do capitalismo passam a receber bons salários das grandes corporações, eles se calam. Então essas pessoas inteligentes e cultas perdem a motivação e o interesse de usar sua capacidade em benefício da população. A apatia e o elitismo ficam evidentes em tais atitudes. Essa visão é estimulada por um sistema econômico que torna as pessoas egoístas e preocupadas apenas com suas próprias necessidades, fazendo-as crer que, agindo assim, tudo estará bem. Na verdade, a cada ano, morrem milhões de pessoas de fome e doenças que poderiam ser prevenidas. Esse crime contra a humanidade tem sido chamado de “ holocausto oculto”, mas está oculto apenas para aqueles que não querem vê-lo ou acham natural a fome, o sofrimento e a morte.
Finalmente, o capitalismo pode também se
manifestar no âmbito espiritual (o que é diferente da exploração religiosa,
como discutida na próxima seção). Isso ocorre quando a pessoa se preocupa
apenas com sua própria elevação espiritual, ignorando o resto da humanidade.
Aqueles que alcançam um elevado nível espiritual devem ter a responsabilidade
de dedicar parte de seu tempo ao serviço da sociedade, da melhor forma
possível.
Além da exploração
materialista, há também a exploração no nível psíquico. Talvez o maior obstáculo
para o desenvolvimento integral do ser humano seja a difusão de dogmas. Os
dogmas são crenças ou convicções sem uma base racional. Eles estão arraigados
na mente humana e fortemente estabelecidos na maioria das crenças. Crenças
contraditórias e irracionais causam bastante sofrimento e conflito e são usadas
para a exploração no mundo todo. Em nome da espiritualidade, líderes
religiosos, políticos e sociais admitem, consciente ou inconscientemente, que
suas crenças irracionais dividam a humanidade. Por exemplo, eles propagam o
medo a Deus ou utilizam o nome de Deus para alcançar seus objetivos e
interesses egoístas.
Da mesma forma, o dogma da superioridade
racial — crença sem qualquer base científica e contrária ao bom senso — tem
causado muito sofrimento. O dogma da superioridade dos homens em relação às
mulheres é outro exemplo. Tais crenças e superstições destroem a vitalidade da
mente humana e da sociedade.
Não faz muito tempo, devido a dogmas
religiosos, na Europa, mulheres eram queimadas vivas e, na Índia, esposas
hindus eram forçadas a acompanhar seus maridos falecidos à pira funerária. Hoje
em dia, embora menos violentos, alguns seguidores fanáticos continuam a
estimular a obediência cega a suas doutrinas, dizendo, por exemplo, “Nosso povo
é o povo escolhido de Deus; aqueles que crêem em nosso Deus irão para o céu, e
os demais irão para o inferno”. Eles adotam doutrinas mais sofisticadas e se
ajustam ao crescente ceticismo da população. Uma sábia estratégia, louvada ao
longo dos tempos e utilizada para manter os dogmas é declarar a religião como
algo “fora do âmbito” de uma análise racional. Para um caminho espiritual ser
progressista, é preciso que ele estimule o debate racional. É próprio da
natureza humana ir em busca do verdadeiro conhecimento; e isso não se consegue
apenas com a prática de alguns rituais e costumes ou com crenças não baseadas
na experiência pessoal.
Deve-se fazer uma distinção entre
religião e espiritualidade. De acordo com a concepção de PROUT, espiritualidade
é o empenho universal dos seres humanos para descobrir sua existência interior,
sua relação com o mundo e para aumentar seu nível de consciência.
Quando a espiritualidade é
institucionalizada e codificada, ou confinada e limitada por dogmas, ela se
transforma em religião. É pouco provável que qualquer um dos mestres fundadores
das grandes religiões tenha orientado seus seguidores a criar as religiões com
as características que elas assumiram. Isso veio a acontecer centenas de anos
depois de sua morte. A essência da religião é a espiritualidade, e isto é um
fato universal. Isto, em sânscrito, se chama “dharma” humano, cujo significado
aproximado em nosso idioma é “o propósito inato” ou “a natureza intrínseca” dos
seres humanos de irem em busca do conhecimento espiritual.
É essencial, para a transformação social
proposta por PROUT, que as pessoas cultivem práticas intuitivas ou meditação
científica, para seu desenvolvimento pleno, que é a realização do dharma
humano. A meditação é noventa e nove por cento prática, por isso, deixa pouca
margem para o surgimento de dogmas e questionamentos. Além disso, a mente dos
praticantes de meditação adquire força para identificar o lodaçal dos dogmas.
Essa ciência da intuição tem sido muito praticada em vários países, tais como o
Tibete, a Índia, a China, o Japão e diversos outros lugares, em todas as eras.
Ela, sem dúvida, constitui a base mística das religiões, tanto as orientais
como as ocidentais. A meditação não depende de práticas puramente ritualísticas
e externas, que caracterizam as religiões.
O objetivo cultural
subjacente de PROUT é apoiar qualquer movimento que leve à realização
espiritual. Na vida individual isto representa o esforço constante para manter
o equilíbrio mental. E da mesma forma que o equilíbrio mental é indispensável
na vida individual, ele também é indispensável na vida coletiva. A
grandiosidade de uma sociedade, de uma cultura ou de uma civilização é
proveniente do grau de equilíbrio mental que essa comunidade alcançou.
Contraditoriamente, a presente sociedade não está buscando esse equilíbrio,
seja na vida individual seja na vida coletiva. Embora o mundo ocidental, por
exemplo, tenha alcançado considerável progresso material, isto teve um penoso custo:
a perda do equilíbrio mental.
O que é o equilíbrio mental? É o
equilíbrio entre estas duas tendências mentais: a extroversão e a introversão.
A tendência à extroversão nos ajuda a lidar com o mundo material, enquanto a
tendência à introversão nos ajuda a alcançar a Entidade Cósmica (a união
individual com a Consciência Cósmica). A bem-aventurança espiritual advém do
equilíbrio mental conquistado com as práticas espirituais regulares
(meditação). A prática espiritual concentra a mente no Absoluto. Como resultado,
a mente passa a controlar, paulatinamente, seus desejos infindáveis, podendo
então se libertar deles. A mente só alcança o estado de equilíbrio, ou
bem-aventurança espiritual, após serem superados os sentimentos de atração e
repulsão.
A tendência à extroversão nos ajuda a
cumprir nossos compromissos cotidianos. Sem essa extroversão mental, nós
perdemos a capacidade de nos ajustarmos ao mundo objetivo. Por outro lado, sem
a introversão, perdemos nosso equilíbrio mental. Numa análise da história, observamos
que, apesar de terem existido muitos países com potencialidades físicas,
psíquicas e espirituais, estes não conseguiram estabelecer o equilíbrio, tanto
na vida individual como na vida coletiva. Por isso, essa é a principal tarefa
dos seres humanos na presente sociedade.
Os sentimentos sem uma
base racional levam à insensatez e aos dogmas. Hoje em dia, a psicologia
coletiva é manipulada por três sentimentos. O primeiro é o sentimento centrado
numa determinada região, isto é, o geo-sentimento, que se expressa nas esferas
política, econômica e religiosa. Muitas religiões, por exemplo, estão baseadas
no geo-sentimento, induzindo seus seguidores a acreditarem que sua terra é a
terra de Deus. Elas dizem que determinado local é “sagrado”, que há uma direção
melhor para orar; e que peregrinações devem ser feitas a certos lugares
“sagrados”, mas deixam de reconhecer o valor de outros lugares. Isso estimula a
irracionalidade.
O geo-sentimento também incentiva a
exploração material. O imperialismo e o colonialismo são também, parcialmente,
expressões do geo-sentimento. Esse sentimento estimula a fraternidade entre os
compatriotas, mas estes não hesitariam em declarar guerra a outras nações. O
nacionalismo exacerbado, refletido em frases tais como “Certo ou errado, meu
país é superior aos outros” é um exemplo disso. Tais sentimentos de “grupismo”
incentivam todos os tipos de injustiça social. Esse tipo de pensamento
discriminativo é uma fraqueza mental muito séria, freqüentemente estimulada por
políticos e capitalistas egoístas que têm o objetivo de manter seu poder e sua
riqueza.
Os socio-sentimentos são ainda mais
perigosos. Esses sentimentos fazem com que as pessoas considerem sua sociedade
superior a todas as outras. A crença de que sua cultura, raça ou nação são
superiores e precisam ser impostas aos outros conduz à opressão do fraco pelo
forte, à purificação da raça, à supressão das minorias e a diferentes formas de
fascismo. Exemplos claros foram o nazismo e mais recentemente o “servismo”
praticado pelos sérvios. A crença na superioridade cultural é uma das
principais expressões do socio-sentimento, manifestado através de imposições
lingüísticas, literárias, artísticas etc. sobre um povo. Sem qualquer esforço
para serem entendidas e apreciadas, as outras culturas são taxadas de
inferiores, estranhas etc. Pode-se observar isso claramente na atitude dos
países ricos em relação às culturas do Terceiro Mundo. As línguas de vários
povos são consideradas dialetos e tidas como inferiores às línguas dos
colonizadores. A socio-religião declara um povo como o povo de Deus e suas
escrituras como a verdadeira palavra de Deus. Pode-se notar que os efeitos do
socio-sentimento podem ser ainda mais desastrosos do que os do geo-sentimento.
A terceira categoria de sentimento é a
do chamado sentimento humano, ou humanismo. Numa tentativa de superar a visão
limitada dos sentimentos acima, surgiu a idéia do humanismo. “Todos os seres
humanos merecem ter seus direitos fundamentais respeitados, o mesmo
desenvolvimento mental, os mesmos sentimentos etc.” (do filósofo inglês
Bertrand Russell, que também era vegetariano). A única questão aqui é que os
seres humanos negam o direito à vida dos animais, comendo sua carne e
estimulando sua matança, até de espécies em extinção. Claramente, essas pessoas
tem um sentimento pela igualdade humana, mas será que elas não conseguem ver
que os animais também sofrem? E não nos cabe a responsabilidade de zelar pelas
plantas e até pelos seres inanimados?
Quando o espírito fundamental do
humanismo se estender a todos os seres vivos e quando também houver o senso de
responsabilidade em relação ao mundo inanimado, esse sentimento universal será
o sentimento neo-humanista. O neo-humanismo tem a espiritualidade como fonte de
inspiração. Aquele que procura o verdadeiro sentimento interior enche-se de
amor por toda a criação e certamente terá um amor inato por todos os seres
vivos e um senso de responsabilidade em relação ao meio ambiente.
Para o progresso da sociedade, é uma
necessidade fundamental superar as limitações dos geo-sentimentos,
socio-sentimentos e até mesmo dos sentimentos humanistas. A disseminação de um
conhecimento sem barreiras é absolutamente necessária. Para superar os
sentimentos baseados em dogmas, o espírito de igualdade social deve ser
amplamente compreendido. A única solução é as pessoas intelectualmente
desenvolvidas se comprometerem com o bem-estar de todos, assumindo papéis
ativos na educação da população. Muitos intelectuais não mostram interesse em
se engajar no desenvolvimento da população; grande parte quer apenas manter sua
posição elitista. Outros, embora estejam ativamente envolvidos em serviços
sociais de vários tipos, são forçados a ir em busca de seus interesses por
dinheiro, à custa da exploração de outras pessoas.
É preciso desenvolver um “intelecto
benevolente” — um intelecto
direcionado ao serviço e à elevação espiritual. As pessoas com mentes
desenvolvidas devem levar em consideração o impacto causado por seu trabalho e
devem usar o poder da discriminação para ajudar outros a superar sentimentos
irracionais. Elas devem expor a exploração nas esferas social, política e
econômica. Hoje, um pequeno número de intelectuais benevolentes tem exercido
uma influência significativa. A pessoa que desenvolve um espírito neo-humanista
e um intelecto benevolente tem um valor inestimável para a sociedade humana.
PROUT incentiva a formação expontânea de tais pessoas e as estimula a ocupar posições
de liderança.
O sistema educacional deve ser
reestruturado para promover o neo-humanismo. A educação deve ser altamente
prioritária. Ela deve estar disponível a todos, gratuitamente. Os educadores,
no sistema de PROUT, deverão ser equiparados aos juizes, pois eles, juntamente
aos pais, são a verdadeira base da sociedade. Os baixos salários dos
professores é um indicativo de negligência da sociedade. É desnecessário
mencionar que, hoje em dia, somente os indivíduos muito dedicados se tornam
professores do primeiro e do segundo grau.
A educação deve liberar as pessoas dos
grilhões do geo-sentimento e do socio-sentimento e promover o universalismo.
Ela deve enfocar primeiramente o desenvolvimento do ser humano como um todo:
suas faculdades criativas e analíticas, sua maturidade emocional e social, a
moralidade universal, qualidades práticas e um conhecimento que abranja todos
os campos da ciência.
O objetivo principal da educação
neo-humanista é inculcar respeito e amor por todos os seres vivos e pelo universo
em que vivemos. O crescimento intelectual sem essa base seria usado para
propósitos egoístas e destrutivos. Portanto, a educação deverá em primeiro
lugar promover o desenvolvimento de princípios morais no ser humano. Pessoas
assim educadas seguirão mais facilmente o caminho da espiritualidade,
tornando-se um bem inestimável para a sociedade.
A comunicação é um aspecto
essencial em nosso dia-a-dia. Na atual era de comunicação globalizada, é
fundamental que as pessoas possam se comunicar e se entender. PROUT reconhece a
necessidade de um idioma comum para a comunicação em nível mundial. Entretanto,
a liberdade para as pessoas se comunicarem em sua própria língua é tão
importante quanto a difusão de um idioma global. Na verdade, todas as línguas
devem ser reconhecidas e preservadas. Já que a língua representa a base
cultural de um povo, ela deve ter seu uso estimulado no dia-a-dia, ao invés de
se tornar apenas uma matéria acadêmica. A educação, o comércio e as leis devem
ser exercidos na língua local, exceto nas situações em que surgir a necessidade
de um idioma comum (o idioma global). Isso fornecerá uma base sólida para a
cultura, evitando o atraso e o regionalismo. Por meio da língua materna, as
pessoas conseguem expressar seus pensamentos e idéias muito mais claramente do
que o fariam numa língua menos conhecida. Quando as pessoas são forçadas a
falar um idioma estrangeiro em seu próprio país, geralmente surge o complexo de
inferioridade, impedindo-as de protestar. Essas pessoas desenvolvem uma atitude
derrotista. Isto é o que ocorre com os povos colonizados, mesmo em períodos
pós-colonização, e com os imigrantes.
Hoje em dia, a língua mais adequada para
uma universalização é o inglês, por ser falada nos mais diversos países. Ela é
também a língua usada no mundo da tecnologia e dos negócios. Entretanto, a
universalidade de uma língua pode variar de tempos em tempos. Dessa forma, a
determinação do inglês ou de qualquer outra língua como idioma universal não
pode ser uma decisão permanente. Houve um tempo em que o francês foi
considerado o idioma mais adequado para esse fim. Uma escrita comum também se
faz necessária. Atualmente a escrita romana, utilizada no inglês, no português
e em muitos outros idiomas, é a mais adequada. Isso também não deve representar
o fim da escrita local. Pelo contrário, as duas escritas devem ser estimuladas
a conviver lado a lado.
PROUT estimula o
desenvolvimento das expressões culturais de todos os povos. As diferentes
formas de se vestir, o idioma nativo, a culinária regional, as artes, o
artesanato e a visão social de um povo formam o conjunto da cultura humana
universal. O vigor coletivo de um povo tem relação direta com o vigor de sua
cultura. Os aspectos mais importantes da cultura local são a língua nativa
(discutida anteriormente) e a literatura. Qualquer tentativa de enfraquecê-los
é uma forma de exploração psíquica.
Depois da supressão do idioma, a
pseudocultura talvez seja o inimigo mais poderoso das culturas locais. Devem-se
fazer todos os esforços para coibir os exploradores de suplantarem as culturas
locais e imporem o materialismo que acompanha a chamada economia global.
Atualmente isso é uma tarefa difícil, pois todos somos afetados pela
pseudocultura, e muitas vezes nem sequer conseguimos identificá-la. Os
exploradores se protegem sob a égide da liberdade de expressão — sem se
importar se os seres humanos vivem numa sociedade livre de influências
degradantes e desenvolvem todo seu potencial. Esse é um problema que merece uma
atenção especial de todos os educadores e líderes.
PROUT concorda que as culturas locais
fortes sejam mescladas. As pessoas devem ser estimuladas a aprender vários
idiomas e a conhecer diversas culturas para o desenvolvimento máximo de sua
capacidade mental. O casamento entre pessoas de diferentes culturas deve ser
estimulado, para quebrar rapidamente as barreiras entre os povos e desenvolver
uma cultura universal. PROUT sugere que seja abolido o sistema de passaporte e
visto, facilitando, assim, as viagens e o intercâmbio cultural. Dessa forma,
poderá haver uma síntese cultural verdadeira, ao invés da síntese cultural que
ocorre hoje em dia, determinada pela influência dominadora da pseudocultura de
países do primeiro mundo sobre as culturas locais.
A teoria social de PROUT
reconhece o extraordinário papel que a arte desempenha na vida humana. A arte
pode ser definida, em seu sentido mais amplo, como uma forma de expressão
sutil e refinada. Quando a literatura, os sons, as formas etc. se tornam sutis,
então, surge a arte. Incluem-se aqui a música, a dança, a pintura, a literatura
etc., bem como a arte culinária, a decoração, a arquitetura, a oratória, entre
outras formas de expressão artística. Esse é um aspecto particular da cultura.
A arte estimula o desenvolvimento das potencialidades sutis da mente e
transforma as tendências primárias em expressões refinadas. A arte, também
chamada de “ciência estética”, eleva o ser humano da condição de animal para a
etapa inicial da espiritualidade. Portanto, é impossível que a arte verdadeira
tenha um efeito degradante para o ser humano. Na verdade, aquilo que não é
benéfico para a mente humana não pode ser considerado arte. A idéia da “arte
pela própria arte” não tem um sentido positivo numa ordem social dinâmica e
progressista. É preciso que a arte propague “o serviço e a bem-aventurança”. As
diversas expressões da pseudocultura são o oposto da verdadeira arte. A
pseudocultura apela para os instintos humanos básicos (a satisfação dos
sentidos e o prazer material), enquanto a verdadeira arte inspira qualidades e
sentimentos nobres, dando origem, assim, a uma mentalidade sutil, que culmina
na espiritualidade.
Os artistas exercem profunda influência
na mente coletiva, assumindo, portanto, uma importante responsabilidade. Seu
dever primordial deve ser garantir o benefício máximo para a sociedade. Arte
não é a expressão de um mundo de fantasias ou imagens oníricas, mas sim a
expressão da realidade do mundo, da realidade mental humana. A expressão dos
múltiplos anseios da alma humana pode despertar o que há de mais sutil no ser,
desde que os conceitos expressos estejam no âmbito de percepção. Logo, a arte
deve estar alguns passos à frente da mente coletiva ou da platéia-alvo — ao
alcance, mas ao mesmo tempo impulsionando para frente. Os artistas devem ter
elevado padrão moral, ser dotados de intelecto benevolente e criatividade e
possuir talento e qualificação. Devem fazer todos os esforços possíveis para
promover, sem interesse próprio, a aceleração do desenvolvimento humano.
Talvez a literatura seja o meio mais
efetivo e mais acessível à maioria das pessoas, por ser menos abstrato do que a
dança, a música e as artes visuais. Retrata diretamente o mundo das idéias. Os
autores de literatura têm responsabilidade especial, pois eles projetam imagens
de potencialidades futuras. Cabe-lhes, portanto, apresentar imagens gloriosas
do futuro humano, como resultado concreto do presente.
A dança expressa os sentimentos humanos
por meio de ritmos e gestos, refinando a capacidade das expressões humanas. As
artes visuais e a música que desenvolvem a mente humana através da abstração —
vibrando e despertando as camadas mentais mais sutis — são as melhores formas
de arte. Essas quatro expressões artísticas podem ser encontradas em quase
todas as culturas passadas e presentes.
A arte deve ser sempre dinâmica. De
acordo com a teoria de PROUT, é preciso que se estimulem ao máximo todas as
formas artísticas; elas são consideradas parte integrante e fundamental da
educação. É preciso que se estimule o senso estético em todas as atividades
humanas, seja na construção de uma casa, no cultivo de um jardim, ou no preparo
de uma alimento. Essa visão possibilita o desenvolvimento mental em sua
totalidade. Como a mente coletiva é uma entidade dinâmica, deve-se estimular
uma mudança progressista nas artes, tendo como base os ensinamentos positivos
do passado. Deve-se ter como meta o equilíbrio entre o respeito às tradições
positivas e o estímulo à criatividade e à necessidade de progredir. Sem esse
equilíbrio, nós estaremos subestimando a arte.
Leituras adicionais:
Neo-humanismo: A liberação do intelecto: Trabalho sobre a sociedade e o neo-humanismo,
essencial para uma compreensão profunda de PROUT.
PROUT in Nutshell: Mais de vinte volumes com discursos
pertinentes. O volume 6 possui material relevante para a compreensão deste
capítulo, enquanto o Volume 13 trata da questão do idioma.
A Few Problems Solved, Part 1: O ensaio “A Prática da Arte e da Literatura”
discute esse tópico em maiores detalhes.