CLASSES (VARNAS)
Já existiram diversos conceitos de classe. A
maioria dos conceitos acadêmicos atuais são baseados no nível da renda ou no
status socioeconômico. Marx definiu as classes com base na relação do povo com
os meios de produção. Na sociedade hindu, classe é sinônimo de casta. Na
Inglaterra, as classes são definidas pela posição social.
O
sistema formulado por Sarkar é original, particularmente, no que se refere ao
uso das características psicológicas do indivíduo como uma base para definir as
classes. Naturalmente, muitas questões surgem quando buscamos um entendimento
claro desse sistema.
1- Por que esse conceito de classe não leva em
consideração o status socioeconômico, a etnia ou a atividade produtiva da
pessoa?
Porque
o seu objetivo principal é explicar a dinâmica do modelo cíclico das classes
dominantes no curso da história. Outras definições de classes, baseadas em
outros fatores, são úteis para explicar contextos específicos. As classes
sociais (A, B, C etc.), por exemplo, podem ser úteis numa análise de tendência
de voto, nas democracias modernas, mas se mostrará inútil para um entendimento
da mentalidade que modelou a história na antigüidade. Por isso, o uso do modelo
de classes de P. R. Sarkar nos fornece um melhor entendimento.
2- Por que esse conceito de classe está mais
baseado na dinâmica da história do que nos fatores econômicos e sociais, que
são a base de outros conceitos de classe?
Outras
definições de classe baseiam-se em fatores relativamente culturais, enquanto a
definição de Sarkar deriva de características fundamentais da psicologia
humana. A etnia pode determinar a classe social em algumas sociedades, mas não
em outras. O mesmo pode ser dito de casta, religião, salário, sexo e linhagem.
Dependendo da era ou da cultura, estes fatores podem ou não ser significativos
para determinar a posição social. Mas as tendências psicológicas fundamentais
que levam as pessoas a se identificarem como trabalhadores, guerreiros,
intelectuais ou negociantes sempre tiveram um papel significativo. Sendo assim,
a definição psicológica de classe tem uma validade perene. Esse fator
psicológico afetará sempre a estrutura das classes, tendo, portanto, uma
importância fundamental na dinâmica da história.
3-Todos os indivíduos pertencem somente a um ou
outro tipo de classe, dos quatro existentes?
Não,
a maioria das pessoas tem uma combinação dos diferentes tipos de classes. Che
Guevara era médico (vipra), guerrilheiro (ksattriya) e trabalhador (shudra),
quando criou o “trabalho voluntário”. Mesmo ocupando o cargo de ministro da
Indústria de Cuba, ele trabalhava aos domingos e dedicava horas extras para
cortar cana, ou trabalhava como pedreiro em construções; Sojourner Truth, da
América do Norte, era um escravo (shudra) e libertador de escravos (ksattriya);
e Kabir, da Índia, era um ceramista (shudra) e poeta místico (vipra).
A
combinação é comum, mas uma das tendências é geralmente dominante.
4- Há sempre uma relação direta entre a classe da
pessoa e sua ocupação?
Nem
sempre. A classe consiste primordialmente na natureza psicológica da pessoa.
Existe, naturalmente, uma forte tendência de um indivíduo ter uma ocupação que
coincida com suas inclinações mentais. Mas, às vezes, as circunstâncias
pessoais ou sociais se contrapõem a essa tendência. Devido à grande exploração
capitalista, é comum as pessoas com tendências intelectual ou guerreira
exercerem ocupações de trabalhador. Seria muito pouco provável, entretanto, as
pessoas com mentalidade de trabalhador serem encontradas em trabalhos
intelectuais ou de negócios.
5- A classe de cada pessoa é uma característica
inata ou surge da influência social?
Ambos.
As pessoas nascem com tendências que influenciam seu desenvolvimento. Mas o
envolvimento pessoal e a experiência de vida também têm importância fundamental
na determinação do desenvolvimento psico-social. Ao analisar a classe natural
de um indivíduo, é difícil separar as tendências inatas dos fatores ambientais.
6-A classe do indivíduo é também um padrão
psíquico de comportamento?
Não.
As pessoas sempre podem expandir sua mente ou melhorar sua capacidade. O ideal
seria cada pessoa desenvolver suas habilidades para atuar como trabalhador,
guerreiro, intelectual e comerciante. Um indivíduo plenamente desenvolvido pode
ter melhor afinidade com as aspirações e os interesses de todas as classes
sociais. Quando houver um grande número de pessoas com essas características,
certamente, acabará a opressão de classes.
7- A tipologia das classes descritas por Sarkar
não é a mesma do sistema de castas indiano?
Não.
Sarkar usou termos em inglês e sânscrito para definir as quatro classes. As
palavras em sânscrito — shudra, ksattriya, vipra e vaeshya — são virtualmente
as mesmas usadas no sistema de castas indiano (a exceção é vipra — brahmin é
usado em seu lugar). Entretanto, sua concepção de classe não tem conexão com o
sistema de castass. Na verdade, Sarkar é absolutamente contra o sistema de castass,
classificando-o como um dos piores tipos de opressão humana. A casta define o
status social da pessoa com base na família em que ela nasce, fixando-a
rigidamente à casta, sem levar em consideração as qualidades e as aspirações
pessoais. A tipologia de classes de Sarkar, ao contrário, define quais as
qualidades mentais intrínsecas da pessoa que influenciam a atividade
socioeconômica e sua classe. Seu propósito é liberar a humanidade da opressão
das classes, e não aprisioná-la dentro de uma rigidez social artificial.
8- Esse conceito de classe pode ser usado para a
personalidade do indivíduo?
Provavelmente
não. Seu propósito correto não é determinar o padrão psicológico, mas analisar
a dinâmica das classes na história humana. As personalidades individuais são
complexas e normalmente não é fácil classificar as pessoas como trabalhadoras,
guerreiras, intelectuais e negociantes. E tal conceito não definiria se a
pessoa é introvertida ou extrovertida, dependente ou independente, passiva ou
agressiva, cooperadora ou competitiva etc. Isto é, nos forneceria um perfil
psicológico fraco e incompleto. Aplicar esse sistema de classes a
personalidades individuais, provavelmente, nos daria uma visão interna mínima,
e tenderia a estereotipar conceitos.
9- Por que esse conceito de classes é considerado
importante?
Porque
ele é útil em explicar a dinâmica da história. A ocupação das pessoas e sua
perspectiva mental são fortemente condicionadas por sua classe. Grupos de
pessoas de uma mesma classe tendem a agir de acordo com os interesses comuns.
Isso, por sua vez, influencia a estrutura institucional de poder na sociedade.
Foi dessa forma que o clero (classe intelectual) manteve-se no poder na
sociedade européia medieval; as forças armadas mantiveram-se no poder na ex-União
Soviética; e os mercadores, financistas e industriais mantêm o poder nos países
da OTAN.
10-As sociedades são sempre dominadas por uma só
classe?
Sim,
mas como a diversidade é uma característica da natureza, a sociedade humana nem
sempre se enquadra numa só categoria. É possível existir combinações de
interesses de classes. Considere alguns exemplos: o Chile, nos anos 70 e 80,
foi uma sociedade dominada pelos capitalistas, embora tivesse suas instituições
políticas controladas pelos militares. Nos países africanos, ao sul do Saara, a
cultura guerreira ainda predomina até hoje, mas os interesses capitalistas são
marcantes nos centros metropolitanos. E enquanto a antiga Grécia era dominada
pela classe guerreira, a cidade-estado de Atenas teve o brilho da inteligência
dos filósofos.
11- Está sempre claro qual é a classe que domina
a sociedade?
Nem
sempre. Pode ser difícil determinar a influência da classe comerciante, em
particular, especialmente quando analisamos superficialmente o sistema de
governo. Os capitalistas geralmente têm representantes submissos da classe
intelectual na administração do estado, como ocorre na maioria dos países
democráticos. Mas, em alguns casos, eles acham vantajoso ter líderes militares
no controle. Países capitalistas com ditadura militar devem ser analisados
criteriosamente, para uma definição correta das diretrizes em que estão
baseados. Posições do poder formal continuarão a pertencer, na maior parte das
vezes, àqueles cujas opiniões refletirão o desejo da classe dominante ou a
psicologia coletiva dominante. Os sadvipras precisam ficar afastados o bastante
dos mecanismos formais do poder, para serem capazes de catalisar uma mudança,
se necessário, na psicologia coletiva e na liderança de classes.
SADVIPRAS
1- O conceito de pessoas sadvipras não é utópico?
O
conceito de uma sociedade sadvipra pode ser visionário, mas não é utópico. Já
existiram, na história humana, indivíduos que encarnaram o arquétipo do
sadvipra. Mesmo que não tenham existido sadvipras em grande número, funcionando
em conjunto como guias sociais, existiram sociedades que possuíram indivíduos
com esse ideal. Alguns povos nativos americanos, por exemplo, foram liderados
por sábios anciões, e a cultura tibetana floresceu por centenas de anos sob um
sistema liderado por pessoas evoluídas espiritualmente.
2- Os sadvipras formarão uma elite que vai
monopolizar o poder?
O
papel dos sadvipras é fortalecer as outras pessoas e assegurar que essa força
seja exercida de forma sábia e correta. Sentimentos elitistas não combinam com
sua abordagem universalista, e a busca de status tenderia a anular sua
aceitação popular.
3- Os sadvipras controlarão o poder político?
A
sua influência no sistema político será, na maioria das vezes, indireta. Eles
não administrarão o aparato governamental, mas se certificarão de que as
pessoas com as qualificações adequadas ocupem as funções administrativas. Eles
não legislarão, mas serão atuantes na formulação das diretrizes para a
elaboração de leis e códigos. Posições do poder formais continuarão a ser
ocupadas, na maior parte das vezes, por aqueles cujas opiniões refletirem o
pensamento da classe dominante ou a psicologia coletiva predominante. Os
sadvipras precisam se manter suficientemente afastados dos mecanismos formais
de poder, para poderem catalisar as mudanças necessárias, na psicologia
coletiva e na liderança de classes.
4-Os sadvipras são incorruptíveis e infalíveis?
Todos
são passíveis de falha, e a corrupção é uma possibilidade sempre presente na
vida humana. Por essa razão, é essencial que os sadvipras atuem de forma
coletiva. Em qualquer mecanismo formal de constituição da autoridade, os
sadvipras sempre funcionarão através de grupos e comitês. Esses corpos
coletivos terão menor tendência a erros do que os agentes individuais.
5- Qual a base dos sadvipras para demonstrar
poder e influência?
A
autoridade dos sadvipras não será oriunda do poder militar, da máquina
governamental ou de recursos financeiros. A base de sua influência será a
aceitação popular. Sem a confiança do povo, eles não terão apoio. Seu papel
deverá ser plenamente justificado aos olhos da sociedade.
6- Os sadvipras serão plenamente aceitos por toda
a humanidade?
É
natural que as pessoas reconheçam e aceitem aqueles que demonstram grandeza
interior. Os hopis aceitavam os mais idosos, os tibetanos respeitavam os
tulkus. Os indianos têm grande amor por Swami Vivekananda, Mahatma
Ghandi e Subhash Chandra Bose. Os franceses respeitam Joana D'arc e os
italianos reverenciam São Francisco de Assis. Os que amam a humanidade e
trabalham por seu bem-estar serão, por sua vez, amados. Essas grandes
personalidades são facilmente reconhecidas e respeitadas, mas a aceitação
popular do papel social dos sadvipras virá gradualmente. As pessoas devem, a
princípio, se convencer do valor prático dos sadvipras para a sociedade. Essa
confiança ficará estabelecida através dos extensivos programas iniciados por
sadvipras, para elevar e fortalecer o povo.
7- Os sadvipras pertencerão a alguma religião em
particular ou serão filiados a alguma filosofia política?
Eles
não terão nenhuma filiação sectária, mas aceitarão, através de sua realização
interior, a validade das crenças espirituais perenes e os valores humanos
cardeais. Seus programas políticos não seguirão nenhum dogma político, serão
baseados em experiência prática. Será pouco provável que eles tenham alguma
filiação partidária.
8- Os sadvipras formarão uma classe ou terão um
status formal?
Sadvipra
é um arquétipo, como já foi comentado. Mas, com o tempo, pode ser que haja a
formalização de treinamento, qualificação e posição do sadvipra.
9- Somente os indivíduos com qualificações
excepcionais serão capazes de se tornar sadvipras?
Certamente
os sadvipras possuirão qualidades excepcionais de caráter. Mas todos os seres
humanos são capazes — através do compromisso, esforço, técnica e sinceridade —
de desenvolver suas mais elevadas faculdades humanas. Muitos poderão obter as
qualidades de sadvipra. Quanto mais o fizerem, melhor será para a sociedade.
10- Como o arquétipo do sadvipra se compara com
outros conceitos de liderança de personalidades extraordinárias?
Os
heróis conceituados por Hegel não têm uma base moral. O príncipe de Maquiavel
está basicamente envolvido com os expedientes do poder político. O soberano
filósofo proposto por Platão é paternalista e autocrata. O super-homem
idealizado por Nietzsche expressa sua vontade usando a sociedade como um
instrumento para o aumento de seu poder. O administrador erudito de Confúcio
está super-identificado com o poder estabelecido. Os rishis védicos guiaram
brilhantemente a sociedade, mas historicamente tiveram conexões com os
interesses de classe. O monarca ideal de Lao Tsé seria um sábio que seguiria o
caminho e seria desapegado de ambições pessoais, mas seria menos dinâmico e
menos socialmente envolvido do que um sadvipra. O bodhisattva do budismo e o
tulku tibetano possuem a mesma natureza espiritual e dedicação à humanidade que
os sadvipras, mas não exibem o mesmo espírito de luta no campo social.